A Entomologia Forense é a ciência que aplica o estudo dos insetos a procedimentos legais. As pesquisas nesta área são feitas desde a década de 1850 e nas últimas décadas vem obtendo progressos. A princípio existia um grande ceticismo quanto a sua aplicação, porém, paulatinamente, peritos criminais e legistas passam a contar com o auxílio de entomólogos para aprimorarem seu trabalho. Atualmente, vem crescendo o interesse de pessoas ligadas a instituições judiciais e cientistas forenses em como conduzir a entomologia junto a outras técnicas de investigação em casos de morte (Catts & Haskell, 1991). Os principais centros de investigação do mundo todo como, por exemplo, o Federal Bureau Investigation – F.B.I. (Estados Unidos), já contam com auxílio de entomólogos. As pesquisas realizadas no exterior já somam um grande banco de dados sobre o padrão de sucessão de insetos nos corpos, porém, devido às nossas condições climáticas aliadas à grande extensão territorial, esses dados não podem ser seguramente utilizados nos nossos exames periciais. Os entomólogos brasileiros, por sua vez, devido a impedimentos jurídicos e éticos, desenvolvem esse estudo em carcaças animais visando extrapolá-los para cadáveres humanos, portanto se faz necessário uma pesquisa mais abrangente no meio pericial.
A divulgação dessa ciência no âmbito policial nacional é quase inexistente e em razão disso, dados entomológicos importantíssimos são completamente ignorados, conseqüentemente, revelações valiosas se perdem. Na realidade, até agora pode se dizer que a perícia médico-legal baseia-se, ainda quase exclusivamente, na observação atenta das alterações macroscópicas que se sucedem na decomposição dos corpos, sujeitas a inúmeras causas de variação, umas acelerando sua sucessão e outras retardando. O presente trabalho tem como finalidade divulgar essa ciência, a fim de alterar esse quadro.
Lord e Stevesson (1986), em Washington, classificaram essa ciência em 3 categorias distintas: urbana, de produtos estocados e médico-legal.
Origem
Os manuais de Medicina Legal que citam Entomologia Forense referem-se a sua primeira aplicação como ocorrida em 1235, na China, baseados em um manual chinês, escrito por Sung Tz’u, intitulado “The washing away of wrongs”. Nesse livro ele citou um caso de um homicídio perpetrado com uso de instrumento de ação cortante, cujos investigadores, na busca de vestígios na vizinhança, localizaram uma foice em torno da qual sobrevoavam moscas, possivelmente, atraídas pelos odores exalados pelos restos de substâncias orgânicas ali aderidas e imperceptíveis a olho nu. Em vista disso, o proprietário da foice foi interrogado pela polícia, levando-o a confessar a autoria do crime (apud McKnight, 1981). Contudo, a literatura especializada em entomologia atribui a primeira utilização dessa ciência a Bergeret, em 1855, na França, pois ele foi o primeiro a utilizar, conscientemente, insetos como indicadores forenses. Neste caso foi encontrado o corpo de uma criança oculto no piso, coberto por uma capa de gesso, no interior de uma residência. Ele indicou um intervalo post mortem extenso através da associação da fauna encontrada com o estágio de decomposição do cadáver, e como os moradores residiam no imóvel há poucos meses, as investigações e suspeitas dirigiram-se aos habitantes anteriores da casa.
Essa ciência, porém, só se tornou mundialmente conhecida após 1894, com o célebre trabalho de Mégnin o qual publicou, na França, o livro “La faune des cadavres”. Nesse livro, ele divide os insetos que visitam os cadáveres em oito legiões distintas, que se sucedem de modo previsível no processo de decomposição, com duração de cerca de três anos. Essas legiões são, ainda hoje, muito divulgadas em livros de Medicina Legal, porém, apesar deste trabalho ter sido um marco genial na história dessa ciência e uma grande descoberta quanto ao padrão de sucessão de insetos europeu, esses dados não podem ser aplicados no Brasil. Nosso clima tropical conduz a um processo de decomposição muito mais veloz do que o europeu, além de que algumas das espécies verificadas aqui não ocorrem em países de clima temperado.
No início do século, alguns pesquisadores brasileiros realizaram pesquisas nesta área e apesar de obterem bons resultados enfrentaram uma série de dificuldades devido à carência de dados taxonômicos, biológicos e técnicos. Entre eles podem ser citados Roquete-Pinto (1908) e Oscar Freire (1914 até 1923). Depois desses trabalhos o assunto ficou esquecido durante anos no Brasil, a despeito do seu desenvolvimento mundial.
Aplicações nos casos de morte violenta
Conhecimentos entomológicos podem ser utilizados para revelar o modo e a localização da morte do indivíduo, bem como mais freqüentemente, estimar o tempo de morte (intervalo post mortem – IPM).
1. Local da morte
Baseado na distribuição geográfica, habitat natural e biologia das espécies coletadas na cena da morte, é possível verificar o local onde a morte ocorreu. Por exemplo, certas espécies de dípteros da família Calliphoridae são encontradas em centros urbanos. E, em vista disso, a associação dessas espécies a corpos encontrados em meio rural sugere que a vítima tenha sido morta no centro e levada para o ponto onde foi encontrada. Da mesma forma que, algumas moscas apresentam habitat específico, além de distinta preferência em realizar postura em ambientes internos ou externos, e até mesmo, em diferentes condições de sombra e luz.
2. Modo da morte
Drogas e tóxicos presentes nos corpos afetam a velocidade do desenvolvimento de insetos necrófagos. Cocaína, heroína, “methamphetamina”, “amitriptylina” e outros metabólitos têm mostrado efeitos no desenvolvimento das larvas e da decomposição, podendo indicar um caso de morte por ingestão de dose letal dessas substâncias (“over dose”) (Goff et al 1989, 1991, 1992, 1993). Pela voracidade das larvas, os fluidos do corpo e partes macias necessárias para as análises toxicológicas desaparecem, sendo então, necessário identificar esses medicamentos e substâncias tóxicas no corpo de larvas de insetos necrófagos que se alimentaram desses cadáveres contaminados (Lord, 1991; Gunatilake & Goff, 1989). Podendo, também, a presença de certas substâncias, como o arseniato de chumbo e o carbamato, impedir a colonização do cadáver por certos insetos necrófagos (Leclerq & Vaillant, 1992 ; Oliveira-Costa, 2000).
3. Intervalo post mortem (IPM)
Na medicina legal uma das questões mais críticas reside em “Quando a morte se deu?” A determinação do intervalo post mortem é, freqüentemente dada por patologistas e antropólogos forenses e, raramente um entomólogo é consultado (Schoenly et al, 1991). Circunstâncias intrínsecas e extrínsecas fazem variar a marcha e a fisionomia particular dos fenômenos putrefativos. Desta forma, não se pode imaginar problema de mais difícil solução e que exija maior reserva dos peritos do que a cronologia da morte. Para responder a esse quesito, os Peritos podem se valer da evolução da rigidez cadavérica, resfriamento do corpo, livores cadavéricos, evolução das fases de decomposição e, mais recentemente, da fauna cadavérica. Normalmente, nos métodos tradicionais, o IPM e a sua estimativa são inversamente proporcionais, isto é, quanto maior for o IPM, menor é a possibilidade de acurada determinação. Porém, com auxílio de conhecimentos entomológicos, quanto maior o intervalo mais segura é a estimativa (Goff & Odom, 1987). O método entomológico pode ser muito útil, sobretudo, com um tempo de morte superior a 3 dias (Catts & Haskell, 1991). Das técnicas de cronotanatognose como relatório policial, necropsia, e entomológica, estatisticamente, a entomológica é a mais eficiente (Kashyap & Pilay, 1989).
Outras aplicações
1. Entorpecentes
Identificar a origem da Cannabis sativa (maconha), com base na identificação dos insetos acompanhantes da droga que, no momento da prensagem do vegetal, ficaram ali retidos, traçando a rota do tráfico através da distribuição geográfica dos mesmos (Crosby et al. 1985).
2. Maus tratos
A ciência pode, ainda, ser utilizada em casos de maus tratos a crianças. É possível precisar o número de dias, durante os quais, o bebê foi privado de cuidados de higiene baseando-se na determinação da idade das larvas de moscas achadas nos cueiros e camas. (Lord & Rodriguez, 1989; Goff et al, 1991).
Texto retirado do site da Polícia Civil RJ.